Da planta do pé até a bacia: o sustentáculo. Aquela que se liga diretamente com a terra e dela tira o que é necessário para crescer pra cima (tudo que é ruim cresce pra baixo, não se distraia quando te pedem para olhar os cadarços, estão apenas fingindo te ajudar). A metafórica raiz. Quando desequilibrada, gera o cambaleio do corpo comum. A perna aguenta, sustenta e garante a estabilidade, não tente alçar vôos senão estiver com elas muito bem preparadas.
“Preserve o calcanhar” diria aquiles; “preserve o joelho”, diria aquilo. A coxa firme, a panturrilha definida, os pés arqueados, abertos e amplos abraçando o chão com a maior superfície de contato possível. A virilha acumula muitas tensões, quando relaxadas fazem tudo correr bem, e daí podemos correr melhor. O períneo é a fonte, daonde se distribuem os afluente energéticos que vão garantir a saúde destes membros. Você está pront_ agora.
Sabidamente o centro do ser é seu umbigo, seu meridiano, seu ponto-médio demarcado por um buraco com fim. Este umbigo, por sua parte, um infinito: vazio exposto. Penso que não teria então, espaço para um umbigo neste corpo -- para que o vazio num corpo tão cheio? Neste corpo de palavra referências, metadados, notas de rodapés preenchem o espaço vago entre vazio e matéria como sistemas de órgãos, comunidades de vísceras cheias de sangue, como sacos de gordura, apêndices de bile e etcétera etcétera etcétera.
Gosto desta parte de ossos, costelas, coluna vertebral; espaço de pulmões, vesículas e estômagos (e borboletas?). Gosto do intestino (dos dois) pela eterna lembrança de que mesmo o prazer pode se tornar uma merda. Gosto também do coração que pulsa e bate e expulsa sangue vermelho. Mas gosto, principalmente, deste tronco-elo trancado atrás da caixa toráxica, deste meio-do-caminho no qual todas as partes aqui se ligam, se juntam para formar, finalmente, esta forma.
O cotovelo é o mais curioso. No meio, como se tivesse em cima do muro, ele decide se quem vai fazer mais esforço é a parte de cima ou a parte de baixo. Ele não aguenta o peso, mas apoia o resto do todo cansado. O bíceps, conhecido pelos antigos como muque, tem como função o trabalho mais duro, pesado, talvez o mais injusto e ingrato, mas ao mesmo tempo, o mais violento: ele mostra poder e tentar dizer que, diante de qualquer problema, ele resolve, suportando o mundo em suas costas. O pulso sempre vomita. Ele tem hérnia de hiato e esôfago irritado. Tem raiva de ser a ponte da mão com braço e queria ser protagonista da festa. Abre, se dilacera quando carrega mais do que pode, mas nunca, em momento algum, recebe os louros de seu trabalho. A mão é filosofia, mas já foi por demais valorizada, os dedos também. As unhas também. Os braços, no fundo, são tudo aquilo que não são a mão.
Nesse texto chamado braço quem fala é o cotovelo. O cotovelo é o mais curioso. E fala por ele mesmo. Dobra sempre que tentam lhe obrigar a fazer algo. Dá choque quando bate onde não deve. Escreve o corpo com sua pele que não dói nem quando queima. O cotovelo é a mãe do braço. E abraça com seu traço de palavra escondida, um segredo ou enigma que ninguém lembrou de dizer.
No lobo central acontece o planejamento das ações e movimentos de toda essa estrutura. E também o pensamento. A cabeça acomoda o cérebro, que supostamente é a parte racional de todo o conjunto. Também supostamente controla todo o resto, todos esses membros que aqui tem voz própria e assumem seu próprio controle. Aqui, nessas pequenas descrições de partes que formam um todo, essa parte, especificamente, não exerce controle algum.
As partes desse corpo trabalham de forma voluntária, cada um com sua espécie de próprio lobo central, sentindo e respondendo à cada estímulo, acumulando sensações e transmitindo-as para todo o resto. Como uma expansão do cérebro para o todo - ao contrário de uma concentração de sentidos, emoções e ligações nesse único fragmento corpóreo.
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